DIGITAL - Omnichannel realidade ou utopia

“Estamos no mundo omnichannel”. Você com certeza já ouviu essa frase, mas o que isso realmente significa? Estamos todos nesse mundo ou omnichannel é uma utopia?

Rogerio Reis - 08/06/2022

O que é omnichannel?

O omnichannel é uma abordagem multicanal de vendas que procura proporcionar aos clientes uma experiência de compra perfeita e integrada, quer estejam fazendo compras online a partir de um desktop ou dispositivo móvel, por telefone ou em uma loja física (brick-and-mortar).

Do single channel ao omnichannel

A empresa que oferece apenas um canal de vendas a seus clientes está operando no modelo sigle channel, um modelo bastante comum no mundo dos negócios antes da internet e da pandemia do COVID 19. Há também o modelo multicanal no qual são oferecidos diferentes canais de compra aos clientes. Antes de sua popularização e dos sites de e-commerce, a abordagem multicanal já existia, porém era restrita, através das vendas por catálogo ou por telefone. O modelo multicanal cresceu a passos largos com a chegada da internet e do desenvolvimento do e-commerce.

No caso de vendas por catálogo, uma das pioneiras foi a Sears, Roebuck & Co., empresa fundada em 1886 em Chicago, Illinois, que publicou seu primeiro catálogo geral de encomenda de mercadorias por correio em 1888. Os catálogos da Sears vendiam de camas e ferramentas até roupas. E esse catálogo foi sofrendo atualizações ao longo dos anos, sendo publicado até 1993, mais de um século depois!!! Ainda hoje temos catálogos para vendas, mas a grande maioria deles foi digitalizada.

No caso de vendas por telefone, o famoso telemarketing, a primeira empresa foi a Dial America. Esse call center pioneiro foi criado especialmente para aumentar as vendas de assinaturas das revistas LIFE, da Time Inc., em 1957, e ao contrário dos catálogos da Sears ainda está em operação, sendo uma das maiores do seu segmento nos Estados Unidos.

Com o desenvolvimento da internet, da tecnologia, do e-commerce e do m-commerce, a venda multicanal se expandiu por empresas de diversos tamanhos e setores, permitindo acesso a novos mercados e novos clientes. Empresas que produtoras começaram a vender diretamente para os consumidores em seus próprios websites (direct to consumer – D2C) enquanto os varejistas passaram a atingir consumidores em quaisquer localidades através de recém-criadas operações de e-commerce. Nesse modelo os canais de vendas operam e são gerenciados de forma desintegrada e o cliente só consegue realizar sua jornada de compra em um único canal. Por essa falta de integração, por exemplo, não era raro no modelo multicanal o cliente receber uma oferta online e não conseguir realizar a compra off-line com as mesmas condições comerciais. As informações dos clientes, cadastro, histórico de acesso e compras, interações são desintegradas.

As empresas, principalmente os varejistas, perceberam que os clientes não estavam completamente satisfeitos com as limitações e as falhas do modelo multicanal e começaram a buscar uma maior integração entre seus canais, permitindo até mesmo ao cliente iniciar sua jornada de compra em um canal e terminar em outro, da forma que preferir e lhe for mais conveniente. Esse foi chamado de modelo crosschannel.

Nos anos 2010 algumas empresas de ponta começaram a integrar seus canais existentes, marcando a evolução do modelo multicanal para o modelo crosschannel. O click e retira, modalidade na qual o cliente compra no site do varejista e o varejista oferece a possibilidade do cliente retirar suas compras em uma loja de sua conveniência, é o exemplo típico do modelo crosschannel. A experiência do cliente não era única e a interação não era fluida, pois o desenvolvimento comercial nem sempre foi acompanhado por investimentos no front e back office das empresas. É comum encontrarmos promoções diferentes, do mesmo produto, no e-commerce. Com o tempo essas imperfeições do modelo foram minimizadas com a integração da gestão dos canais e a integração dos dados do cliente. Até o final da década passada essa transição do modelo multicanal para o crosschannel ainda era limitada e a adoção dos clientes baixa, porém, com a pandemia da COVID19, os modelos crosschannel tiveram um grande impulso

Com o tempo os modelos multicanal e crosschannel se tornaram mais complexos de gerenciar e operar, porém o surgimento de novas tecnologias digitais e das mídias sociais permitiu às empresas integrar todos os canais físicos (off-line) e digitais (online) e evoluir a experiência do cliente para uma experiência unificada, chamada de omnichannel. No modelo omnichannel, independente do canal de vendas e contato que o cliente escolher para se relacionar com a empresa, sua experiência é idealmente a mesma, com a empresa atendendo, até mesmo superando, suas expectativas. No modelo omnichannel, o cliente é o centro do processo, as decisões estratégicas e de modelo de negócios têm como foco a excelência na experiência do cliente. Ser omnichannel, colocando efetivamente o cliente e sua experiência com a empresa no centro do modelo, é uma decisão estratégica que vai requerer investimentos, profundas mudanças no processo de gestão e a integração da tecnologia nos processos de negócio.  Na jornada da empresa para ser omnichannel a experiência do cliente deve ser uma das regras mais importantes do processo decisório; as operações online e off-line devem prover uma excelente experiência, demandando investimentos no front office; os processos de gestão e estruturas internas devem ser desenhados para entregar uma experiência unificada e excelente; os dados do cliente devem ser capturados em todos os pontos possíveis da jornada de compras, integrados e unificados permitindo ao cliente uma operação fluida, única e excelente em todos os pontos de interação do cliente com a empresa e a empresa vai precisar adquirir e desenvolver capacidades e competências internas. São esses os tipos investimentos requeridos no back office.

 

A jornada das empresas na direção da omnicanalidade

No Brasil e no mundo há empresas alegando já serem omnichannel, mas em que estágio da jornada da omnicanalidade elas estão? O quão profundo é a omnicanalidade dessas empresas? Vamos analisar alguns exemplos notórios de empresas reconhecidas como omnichannel, exemplos que ilustram abordagens e os estágios diferentes das empresas na jornada omnichannel. Esses exemplos, contudo, não esgotam as iniciativas dessas empresas na jornada da omnicanalidade.

Nike

A Nike coloca a experiência do cliente no centro de seu negócio, acreditando que a melhor forma de entregar uma excelente experiência de compras com a marca é facilitando as compras, tornando-as sem fricção e personalizadas, não importando onde elas sejam feitas.

A Nike Consumer Experience (NCX) é uma visão unificada para dar ao consumidor a melhor experiência NIKE em qualquer lugar onde ele faça suas compras, quer seja nas lojas próprias da NIKE (Nike Direct) ou nas lojas parceiras (Rede NIKE).  Para trazer à vida NCX, a Nike reformulou e ampliou sua rede de lojas próprias, incluindo o site nike.com, oferecendo experiências do mais alto nível para o cliente. 

Nas lojas próprias da Nike, os clientes podem usar o aplicativo da Nike para realizar diversas atividades de forma conveniente. 

- Lendo o código de barras de um produto o cliente pode obter informações, tais como quais cores e tamanhos estão disponíveis, se tem estoque na loja ou se há estoque numa loja próxima ou online. 

- É possível solicitar que um atendente leve itens para locais designados, como um provador. 

- A funcionalidade de checkout instantâneo permite ao cliente escanear o código de barras dos produtos e pagar dentro do aplicativo, evitando a fila de pagamento da loja.

O site Nike.com e o aplicativo da Nike permitem ao cliente se conectar ao programa de fidelidade NikePlus, que oferece aos membros produtos exclusivos, acesso a especialistas da Nike, exercícios personalizados, acesso prioritário a eventos e frete grátis. Os prêmios são acumulados com base em gastos e uso de aplicativos de fitness que desbloqueiam ainda mais exclusividades, mais serviços, descontos personalizados e acesso a experiências VIP. A Nike também criou os aplicativos Nike Training Club e o Nike Running Club, que permitem aos usuários acessar programas de treinamento com exercícios que podem ser feitos em casa sem o auxílio de um técnico. Enquanto os clientes recebem prêmios por seu relacionamento e treinam os aplicativos da Nike a empresa captura os dados do cliente que permitem detalhar seus hábitos de compra e preferências de produto para personalizar suas ofertas futuras. Esse é o ecossistema da Nike, que o consumidor tem diversos pontos de acesso para entrar. 

A empresa racionalizou sua rede de parceiros de distribuição online e off-line, lojas de departamento e marketplaces, concentrando-se em 40 varejistas diferenciados, capazes de proporcionar ótimas experiências e serviços de alta qualidade para os cliente e desenvolver o storytelling da marca.

O exemplo da Nike mostra uma empresa que tomou uma clara uma decisão estratégica de colocar a experiência do cliente como centro de seus negócios, e mostra como a empresa tomou decisões estratégicas para garantir a execução da Nike Consumer Experience. A empresa foi além da relação comercial, criando um ecossistema online e off-line de relacionamento com o consumidor e com isso capturando dados de comportamento e tendência, além dos dados comerciais. A Nike é um exemplo de empresa, não nativa digital em estágio muito avançado na jornada omnichannel.

Amazon

A visão da Amazon é “ser a empresa mais centrada no cliente da Terra; construindo um lugar onde as pessoas possam encontrar e descobrir qualquer coisa que queiram comprar online”. 

A empresa foca na experiência do cliente e utiliza extensivamente dados para criar uma interação personalizada e responsiva no canal que o cliente estiver.  

O Amazon Prime, um programa de benefícios para associados, foi lançado em 2005. Hoje o programa oferece assinatura gratuita do Prime Video e Prime Music, descontos exclusivos e frete grátis, não importando o canal ou dispositivo que estiver usando. O frete grátis, além de um benefício para o cliente, elimina o maior motivo para o abandono do carrinho, o custo de entrega, e torna a Amazon, para os associados do Prime, a loja online destino. O Amazon Prime tem um papel fundamental na estratégia de dados da Amazon. O cliente cria uma conta e faz login na Amazon, associando-se ao Amazon Prime e começa a ter acesso aos benefícios do programa. Com o Amazon Prime, a Amazon captura e integra os dados dos clientes, sustentando a sua capacidade de compreender as preferências deles, permitindo criar uma experiência perfeita em todos os dispositivos. A Amazon alimenta recomendações personalizadas aos clientes, baseadas nos comportamentos passados deles e de outros. Em 2015 a Amazon lançou seu canal de voz, o Echo com a assistente pessoal Alexa. Os clientes podem pedir para a Alexa comprar um produto, telefonar para alguém ou colocar uma música para ouvir, entre outras comodidades. Com isso a Amazon amplia a captura de dados das pessoas para além de suas compras.

Desde 2006 a Amazon começou a vender mercearias online, não só para comercializar produtos de mercearia, mas para evitar que varejistas que comercializam mercearia entrem em categorias importantes para ela.  A Amazon identificou que a venda de mercearia é diferente das outras categorias como cultura (livros) e eletroeletrônicos. Para se desenvolver nesse mercado iniciou uma operação física de varejo, inaugurando em 2018 a primeira Amazon Go em Seatlle, ampliando sua busca de conhecimento da experiência do cliente. A loja foi projetada em torno dos clientes, o que eles estão comprando e o que eles estão amando, tomando com base as classificações dos clientes, revisões e dados de vendas das centenas de milhões de produtos online. A Amazon Go é uma extensão física da Amazon.com.

A Amazon é um trendsetter em colocar a experiência do cliente, na captura e uso de dados para melhorá-la. Muitas funcionalidades existentes hoje no mundo de compras online foram criadas pela empresa. Ela também ampliou seu conhecimento do cliente, para além das compras, com o Echo e assistente de voz Alexa. Esse conhecimento no mundo online está sendo levado para o mundo off-line, um caminho inverso das demais empresas, podendo ser um game changer na experiência do varejo de alimentos.

Magalu

A Magalu traz operações online e off-line integradas. Além vendas tradicionais através de seu website e de suas lojas físicas, ela oferece:

- Um aplicativo para dispositivos móveis que permite localizar lojas e consultar os itens disponíveis em cada uma delas.

- Uma tecnologia que agiliza a compra nas lojas físicas. Utilizada nos dispositivos móveis, ela auxilia o trabalho dos vendedores e possui a função de checkout, o que reduz drasticamente o tempo de finalização das compras, que em média passaram de 40 para apenas 5 minutos.

- O sistema BOPIS (Buy online Pickup in Store), que permite ao cliente comprar online e retirar na loja física. Essa prática reduz o tempo de espera da entrega por parte do cliente e ainda elimina o custo do frete. A empresa está integrando o BOPIS com seus fornecedores, melhorando a eficiência.  A empresa captura os dados do cliente que permitem detalhar seus hábitos de compra e preferências de produto para personalizar suas ofertas futuras.

A Magalu tem um sortimento mais amplo no ambiente online, onde atua como marketplace. Recentemente fez diversas aquisições de fintechs, adtechs, edutech, empresa de logística, entre outras, ampliando e qualificando seus serviços. A empresa este trazendo seus fornecedores para integrarem o BOPIS.

Na Magalu há uma clara decisão estratégica na direção da omnicanalidade estando em um estágio avançado na jornada no Brasil, especialmente no desenvolvimento dos canais online, no aplicativo e no site. Os dados dos clientes auxiliam na jornada de compras, com recomendações para os clientes no ambiente online. Mas a experiência off-line está no mesmo nível da experiência online?

Starbucks

A Starbucks busca entregar uma ótima experiência de compra para seus clientes. Para isso, no Brasil, oferece o cartão Starbucks e um programa de fidelidade. O cartão Starbucks permite pagamentos sem a necessidade de levar uma carteira, podendo ser carregado no site, na loja ou no aplicativo. No aplicativo, o cliente tem seu histórico de compras, pode procurar uma loja e seus horários de funcionamento, ter uma sugestão de rota para chegar em uma loja e a função click e retira, na qual pagando com o cartão Starbucks o cliente evita a fila do caixa na loja. 

A Starbucks captura os dados do cliente, o que lhe permite conhecer seus hábitos de compra e preferências de produto para personalizar suas ofertas futuras.

O aplicativo é a base da omnicanalidade da Starbucks no Brasil, facilitando a compra do cliente. O nível de experiência em todas os ambientes online é o mesmo? A experiência online está no mesmo nível da experiência off-line?

Considerações e reflexões

Esses exemplos apresentados ilustram como empresas, cada uma a sua maneira, estão se transformando, integrando as tecnologias digitais aos processos de negócios e usando a tecnologia para inovar seus modelos de negócios, viabilizando melhorias comerciais e aumentando a experiência do cliente, na direção de serem omnichannel. Esses exemplos, contudo, não esgotam as estratégias dessas nem de outras empresas nessa jornada.  Observa-se que as empresas não têm domínio de todos os pontos de contato da jornada do cliente/consumidor. Elas, em geral, alardeiam que o cliente/consumidor está no centro de suas estratégias de negócios, mas a ação e controle são limitados a alguns poucos pontos de contato na jornada do cliente/consumidor.

Empresas que vendem seus produtos através de varejistas, num modelo B2B2C, têm algum controle sobre a fase pré compra da jornada do cliente. O aumento do controle é uma decisão estratégica, com suas implicações, como mostra o exemplo da Nike. Uma alternativa para as empresas é usar um modelo multicanal com um ecommerce e m-commerce e vender seus diretamente para consumidor, captando seus dados, que hoje estão na mão de varejistas, para poder melhorar suas ofertas.

As empresas de varejo que compram produtos para revender, num modelo direct to consumer (D2C), estão ampliando seus canais de venda e operando cada vez mais no modelo crosschannel, principalmente com click e retira (Magalu e Starbucks) e em alguns pontos da jornada de compras do cliente com iniciativas omnichannel como o cartão Starbucks. As empresas de varejo têm o grande desafio de integração phygital, que é a simbiose entre espaço físico e espaço virtual. Como fazer com que a experiência off-line e online tenham o mesmo valor? O desenvolvimento da tecnologia pode contribuir nessa direção, com o metaverso, a realidade aumentada e o IoT.  Todas as empresas estão coletando dados dos clientes e consumidores, mas elas enfrentam o desafio de transformar dados em informações e têm tido muitas dificuldades de transformar essas informações em insights para crescer exponencialmente seus negócios (como no exemplo da Amazon).

O modelo omnichannel onde o cliente/consumidor realmente seja o centro do desenvolvimento estratégico, que a experiência do cliente/consumidor seja a mesma, 100% do tempo e em 100% dos pontos de contato, independente do canal, é uma utopia?

Entendendo utopia como uma ideia, um pensamento ambicioso que guia as empresas, o modelo omnichannel é uma utopia inspiradora.

Imaginando que hoje uma empresa estivesse com o modelo omnichannel 100% implementado, amanhã ela estaria ultrapassada, pois as necessidades e desejos dos clientes vão mudar e a tecnologia vai evoluir. Essas mudanças realimentam o processo de desenvolvimento do modelo omnichannel, mantendo viva sua utopia.  Independente do tamanho, do segmento e do estágio atual de desenvolvimento, as empresas que se inspirarem pela utopia omnichannel e tomarem a decisão estratégica de operar no modelo omnichannel terão uma vantagem competitiva, enquanto as demais estarão colocando em risco seu crescimento, rentabilidade e, no limite, sua própria existência. O modelo omnichannel deve ser um imperativo estratégico pelas suas implicações e mudanças necessárias para a evolução das empresas.

 “One size does not fits all” e cada empresa vai encontrar o seu caminho nessa jornada, pois omnichannel é uma jornada, não um destino de curto prazo.


Click no link abaixo para baixar o artigo

Top